Sim, ainda não cheguei sequer à um mês e tive a agravante de ter estado 10 dias de quarentena após a minha chegada. No entanto, logo nos primeiros dias, consegui encontrar várias diferenças em questões associadas à circularidade e sustentabilidade, entre Portugal e Holanda. Consegues adivinhar quais são?
Como tive a oportunidade de contar neste post, dia 18 de Agosto embarquei numa aventura e vim em direção à Holanda, onde irei ficar 4 meses, no âmbito do programa do Erasmus for Young Entrepreneurs (EYE).
Antes de começar a realizar as visitas, fui encontrando várias diferenças entre Portugal e a Holanda em questões que se relacionam de forma direta ou indireta com os temas da sustentabilidade e circularidade.
Deixo-vos aqui a lista com as 15 diferenças que encontrei nos meus primeiros 15 dias:
1. O maior centro de Upcycling da Europa
Um dos locais que já tive a oportunidade de visitar, e que em breve irei falar em maior detalhe, é o maior Centro de Upcycling da Europa, que para minha sorte fica em Almere, a cidade onde me encontro a residir.
Para começo de conversa, a construção do próprio centro é um excelente exemplo de economia circular. Madeiras, pneus, raios de bicicletas e tantos outros materiais tiveram uma segunda oportunidade e hoje embelezam e compõem este edifício (se quiseres ir espreitando, dá uma vista de olhos nos destaques “Netherlands” da @BeeCircular.Mag).
Desta forma, a integridade dos materiais é mantida, o nível de qualidade igualmente e a vida útil estendida por longos anos.
Neste centro, os cidadãos podem deixar os produtos e materiais que já não querem, sendo estes processados e utilizados pelos projetos empreendedores associados ao centro, para as suas criações.
É caso para dizer, que aqui “nada se perde”, “tudo se transforma”, respeitando a qualidade e valor dos materiais.
2. Separação no contentor entre indiferenciados e composto
Algo que muito alegrou foi a existência de contentores com duas divisões: uma para os indiferenciados e outra para os restos alimentares, que são encaminhados para compostagem industrial.
Em Portugal algumas cidades já têm contentores específicos para compostagem, contudo estes ainda são raros pelo nosso país. Uma das alternativas que costuma existir são as hortas comunitárias, que costumam ter compostores (mas que nem sempre são assim tão perto) ou a compostagem doméstica, que às vezes não se encaixa com estilo de vida todas as pessoas.
Aqui, também existem vários projetos com compositores comunitários, mas para aqueles que não se quiserem envolver, têm sempre o conforto de ter um contentor à porta de casa, que será especificamente direcionado para este efeito.
3. Comboios movidos 100% a energia eólica
O comboio por natureza já é um dos meios de transporte coletivos mais ecológicos. No entanto, quando movido 100% a energia eólica, esta torna-se uma alternativa ainda mais interessante e amiga do ambiente. E é exatamente o que acontece nos comboios que servem os Holandeses, sendo este um dos principais meios de transporte entre cidades deste país.
Existem igualmente passes que permitem viajar por toda a rede ferroviária, fora do horário de ponta, a partir de 105 €, o que para os empreendedores é uma ótima e prática alternativa para as viagens de negócio.
E claro, não esquecer que à porta de cada estação estão sempre diversas bicicletas (OV-FIETS), geridas diretamente pela companhia ferroviária, que para além de atualmente serem produzidas com 70% de materiais remanufaturados, estão disponíveis por apenas 3,80 € ao dia.
4. Espaço para aparas de jardim
Quem vive próximo de zonas com vivendas, sabe que as aparas de jardim dos vizinhos podem ser um verdadeiro inferno. Na minha rua, por exemplo, existem várias vivendas com jardins, e estas aparas, muitas vezes, são deitadas no meio da via pública junto aos contentores, impedido a passagem e bloqueando e até danificando carros.
Há também quem deite nos contentores, mas sendo resíduos muito volumosos, acabam por encher os mesmos muito rapidamente, ficando estes sem espaço para os resíduos indiferenciados.
Por aqui o sistema é diferente: as vivendas são muito comuns bem como os jardins, mas em cada rua existe uma estrutura, onde os moradores podem deixar as suas aparas, sendo estas encaminhadas de forma mais adequada.
5. Máscaras reutilizáveis? Sim por favor!
Uma das questões provavelmente mais "discutíveis" tem a ver com as regras para utilização de máscara. Atualmente, só é obrigatório usar máscara em transportes públicos ou em locais muito movimentados como certas zonas do aeroporto ou do centro de Amesterdão.
É dado maior ênfase à distância de segurança, sendo muitas vezes obrigatório utilizar um carrinho de compras nos supermercados.
Naturalmente, isto leva a que o número de máscaras que terminam na via pública, reduza substancialmente. Além do mais, nos sites oficiais Holandeses, a máscara recomendada é a não cirúrgica (máscaras laváveis), de modo a garantir que os stocks de máscaras cirúrgicas não são afetados para quem mais precisa (médicos, enfermeiros, etc.).
Esta é a única alternativa que se alinha numa lógica circular e sendo este um país fortemente comprometido com esta transformação, esta é a única opção lógica.
6. Cidades amigas das abelhas e outros polinizadores
Este é um país altamente bee friendly e por todo lado se veem flores e jardins, muitos deles com espécies de plantas e flores especificamente direcionadas aos nossos amigos polinizadores.
Em Almere, cidade onde me encontro, em qualquer parte da cidade, nunca estou a mais de 5 minutos, de um parque, jardim, mata, floresta ou canal, sendo evidente que os Holandeses valorizam profundamente o contacto com a natureza.
7. Orgulho nos produtos locais
Mais uma vez, aqui a realidade que conheço melhor é a de Almere e confesso que muito me agradou. Em Almere existem diversos mercados e os moradores têm muito orgulho nos mesmos.
Todas as pessoas com quem falei disseram que tinha de ir ao mercado do centro de Almere, pois era o melhor sítio (e bastante em conta), para comprar frescos.
Num dos sites oficiais de Almere é possível inclusive conhecer cada uma das bancas e os produtos que vendem, algo que não é inédito, pois são promovidos vários projetos e empreendedores locais (em particular circulares) nos sites dos Munícipios.
8. As ruas e as cidades são projetadas para pessoas e não para carros
Uma das coisas abordámos no evento aRoundTable, é que de modo a promover a regeneração das comunidades, promovendo a sua resiliência e união, é essencial pensar, projectar e construir as localidades para que as pessoas possam viver e não para os carros.
Na maioria das zonas urbanas, mais de 80% das ruas são dedicadas aos carros e o que resta de passeios, muitas vezes ainda têm carros estacionados. Em frente aos prédios existem estacionamentos, não existindo locais para as crianças brincarem e para os moradores conviverem.
Aqui isto não acontece. Há um profundo equilíbrio entre zonas verdes e zonas urbanas. É muito comum por trás das casas existirem pequenos bosques, jardins e parques infantis.
Em qualquer local de Almere existem ciclovias de alta qualidade, sendo possível muitas vezes chegar mais rápido de bicicleta a certas zonas, do que de carro.
À beira dos canais existem diversos bancos para as pessoas sentarem-se a contemplar a natureza. De cada vez que na minha bicicleta passo por alguém as pessoas sorriem e dizem olá.
Investir neste tipo de infraestruturas e áreas verdes é investir nas pessoas: é investir na sua saúde física e mental, bem-estar, felicidade e união social.
9. Sistema de retoma nas garrafas de plástico e vidro
Bem sei que em Portugal já começa a ser comum existirem os depósitos automáticos de garrafas de plásticos, que oferecem descontos de cerca de 0,05 cent. Aqui é um pouco diferente: Quando compramos um produto numa garrafa de plástico ou vidro, o valor da mesma é nos cobrado.
Quando a devolvemos, este valor é devolvido, podendo esta devolução chegar a valor 0,25 cent. É um sistema de retoma e não de incentivo, que já está em vigor a largos anos.
Adicionalmente, para os sumos de laranja natural, já existem garrafas reutilizáveis, que podem ser reutilizadas inúmeras vezes (se quiseres dar um vista de olhos, vê as stories destacadas em “Netherlands”)
10. Os equivalentes ao ponto eletrão não foram retirados durante a pandemia
O que esta situação me irritou: pouco antes de me ir embora, precisei de deitar fora um pequeno eletrodoméstico fora. Sabia que no Jumbo ao pé de mim havia um pelo que tentei ir lá colocá-lo, mas para minha surpresa, devido a pandemia foi retirado.
Procurei em várias outras superfícies, mas nada, tinham desaparecido. Liguei para os locais onde estava indicado ter e todos eles disseram que não tinham. Por aqui existem em todos os supermercados, mesmo nos mais pequenos, estando muito mais acessíveis a todos.
11. Redução do limite nas autoestradas para 100 km/h para redução das emissões de C02
Este ano (2020), o governo Holandês alterou o limite de velocidade nas autoestradas de 130 km/h para 100km/h no sentido de promover uma redução da emissão de gases poluentes, tornando-se num dos países Europeus com o limite de velocidade mais baixo.
Esta redução poderá a vir ser revista futuramente, caso exista um aumento generalizado da utilização dos veículos elétricos.
12. Polícias, correios e estafetas de bicicleta
Liderar por exemplo: pois é, na Holanda até os polícias deixam os carros estacionados e realizam as patrulhas de bicicleta.
É claro que as excelentes ciclovias, os estacionamentos para bicicletas, as rampas para a subida e descida das mesmas dos passeios e o facto de ser um país bastante plano, tornam esta realidade muito mais fácil de aplicar. Aos polícias juntam-se os distribuidores de correio e estafetas de empresas diversas.
Não considero que os nossos montes e vales sejam uma desculpa para o fraco investimento neste tipo de vias, pois existem muitas cidades que poderiam ser profundamente beneficiadas.
Por exemplo, na minha cidade natal (Almada), não consigo compreender como ainda não foi feito um investimento para ligar Almada à Costa da Caparica (praia) através de uma ciclovia.
Até porque, se esta fosse construída junta à via rápida, o percurso seria maioritariamente plano e seria uma excelente alternativa ao carro. Como este exemplo, existem muitos outros que poderiam beneficiar deste tipo de infraestruras, oferencendo qualidade de vida aos seus habitantes.
13. A grande maioria das cidades tem o roadmap público com a estratégia de transição para a Economia Circular e plataformas com todas as notícias, iniciativas, projetos locais, ideias e sugestões
Já não é a primeira vez que pessoas partilham comigo que não sabem praticamente nada sobre o que está a ser feito no âmbito da sustentabilidade, circularidade e justiça social nas suas cidades, e que mesmo que quisessem saber, não saberiam como o poderiam fazer.
Por aqui, de forma generalizada, os habitantes não podem afirmar o mesmo, pois os próprios municípios têm plataformas dedicadas a estes temas.
Nestas plataformas é possível consultar o roadmap para a transformação circular destas cidades, as melhores práticas circulares, divulgação dos projetos locais, sugestões de roteiros estas iniciativas, entre tantas outras informações úteis.
14. Um estilo de vida equilibrado
Falar de Economia Circular, não é apenas falar da eliminação do lixo e da poluição e de manter os materiais a circular. É também falar de justiça, harmonia e equilíbrio.
O povo Holandês dá muita importância ao equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e o seu estilo de vida é saudável e equilibrado.
Às 5/6h da tarde os parques, lagos e bosques enchem-se com famílias que levam as suas crianças a brincar, de pessoas a fazerem desporto e a conviverem.
Este constante e periodíco contacto com a natureza, leva as pessoas a desenvolver um maior sentimento de empatia e pertença para com a mesma, e assim terem maiores preocupações e interesse pelas temáticas ambientais.
15. Um povo confiante e que conhece o seu valor
Pode não parecer, mas este último ponto tem tudo a ver com Circularidade e Sustentabilidade. Ainda não consegui apurar a verdadeira razão, mas o que é facto é que o povo Holandês é, de forma geral, um povo confiante e que reconhece sem falsas modéstias os seus pontos fortes.
A transformação social para modelos regenerativos, só poderá acontecer se os cidadãos que fazem parte da mudança conherem os seus pontos fortes e confiarem que podem realmente fazer a diferença. Caso contrário, muitos projetos com enorme potencial transformador ficarão no papel.
Todos nós temos inúmeros talentos que podem fazer uma grande diferença. É hora de reconhece-los e colocá-los ao serviço da humanidade, através de ideias, projetos, empresas e produtos, acreditando que realmente é possível mudar o rumo da história e cocriar a melhor versão do futuro.
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Autora: Mariana Pinto e Costa
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